segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Luis Henrique Lima


NOSSA VIDA, NOSSO NAVIO



OBSERVAÇÃO DO COMPILADOR: Este artigo encerra uma extraordinária demonstração de capacidade lingüística. Evidentemente o espírito-autor havia sido um exímio navegante quando encarnado e aproveitou o seu conhecimento para falar ao médium em linguagem própria, considerando que a nossa vida não passa de um navio ao largo. Para melhor entendimento, levantamos a sinonímia 

de muitas palavras, algumas só do conhecimento de profissionais marítimos.



Meu amado amigo:



Não há na Terra coisa que te mereça a mais ligeira apoquentação.1 Deixa que Deus guie o teu barco, que ele chegará a porto de salvamento.



Pode, em determinados momentos, singrar mais a um ou a outro lado; guinar de proa2 ou meter a popa3 debaixo d’água; quebrar-se o gurupés4 ou um mastaréu;5 romper-se a bujarrona,6 ou fugir algum velacho7 com o vento; mas tudo isso são acidentes de viagem que servirão só para te fazer vibrar a alma em emoções estranhas que, quando em Terra firme e no convívio adorado dos teus amigos, contarás feliz, como recordações de um agridoce8 adorável.



Costumas dizer que o tempo tem a propriedade de até nos fazer ter saudades das dores passadas.



Pois, meu querido amigo, ao terminar a tua viagem pelo mar tenebroso da vida, quando dobrares o Cabo da Boa Esperança da morte, terás, senão saudades, pelo menos agradáveis recordações das vagas alterosas sobre que a quilha9 do teu batel10 passou, que se o fizeram gemer e adernar,11 também o impeliram mais violentamente para a Índia da perfectibilidade.



Navegas, muitas vezes, sob o temporal desfeito, e o teu peito, habituado à luta com os elementos, treme e por vezes apavora-se; mas crê, crê, meu querido amigo, que o piloto do teu barco veste de branco; e o armador do teu navio tem-no seguro na sua soberana vontade e não o deixará perder.



Podes encontrar grossa borrasca, nevoeiros cerrados, cerração densa; mas não receies que vás dar sobre os recifes, nem vás quebrar o barco sobre os cachopos12 da margem, nem vará-lo13 na praia, pois a tempo oportuno se fará ao largo, mudando de rota a tempo de se livrar da rascada.14



Bem sei que poucos são os dias em que encontras calmaria pela proa, e muito menos aqueles em que navegas com vento de feição;15 mas sempre que possas põe-te de capa,16 ou navega à bolina,17 e dá cordel ao barco sem receio.



Essas poucas ocasiões de descanso na tempestade servirão para refazeres a tripulação, para tomares mantimentos ou fazer aguada.



Tu, como capitão do barco, não descanses, porém.



Vigia tudo. Examina escotilhas,18 cabos, mastros, velame,19 e tudo o que na hora própria te for preciso. Terás muito tempo para descansares, quando chegares ao porto abrigado,20 termo da tua derrota,21 onde o Armador22 Supremo te dará o preço da viagem, e o tempo necessário para refazeres as forças exaustas pela fadiga.



Até então não descansarás, meu querido amigo, até então não descansarás.



Mais uma vez ainda, não receies nunca o temporal, por maior que seja. O Santelmo23 acompanhará o tope24 do mastro mais alto do teu navio; e o piloto não deixará de velar25 nem de guiar ao leme.



Presta atenção aos ventos, para mandares orçar26 a tempo próprio. Cartas a examinar - a tua consciência. Bússola, a tua fé. Esperança em Deus, e ao largo.27



Boa viagem. Que a Senhora dos Navegantes te acompanhe. (Espírito Um Marinheiro - Obra: Do País da Luz 1 - Médium: Fernando de Lacerda).



OBSERVAÇÃO: 1 - Apoquentação = irritação; 2 - Guinar de proa = desvio súbito da parte anterior do navio; 3 - meter a popa = colocar a parte posterior do navio; 4 - gurupés = mastro colocado obliquamente na proa de um navio; 5 - mastaréu = mastro de pequena dimensão; 6 - bujarrona = vela triangular que se iça à proa da embarcação - injúria, ofensa (fig); 7 - velacho = vela dos mastros da proa; 8 - agridoce = diz-se do azedume que se reveste da aparência de doçura; 9 - quilha = parte inferior do navio, que constitui sua coluna vertebral, na qual se apóiam todas as outras peças; 10 - batel = pequeno barco, canoa; 11 - adernar = inclinar-se (o navio) submergindo mais de um lado; 12 - cachopos = rochedos à flor da água, escolhos, obstáculos perigosos; 13 - vará-lo = encalhá-lo; 14 - rascada = tipo de rede, enrascada, aperto; 15 - feição = favorável; 16 - capa = manobra que permite a um navio governar-se em zona perigosa, ou com tempo mau; 17 - bolina - cabo destinado a sustentar a vela e dar-lhe a inclinação necessária, conforme a direção do vento; 18 - escotilhas = aberturas nos navios que põem em comunicação entre si as cobertas, o convés e o porão; 19 - velame = conjunto de velas de um navio, ou de um de seus mastros; 20 - porto abrigado = mundo espiritual (entendo eu, o compilador); 21 - termo da tua derrota = final do teu caminho, do teu roteiro, do rumo do teu navio; derrota aí é uma expressão marítima que quer dizer: rumo dos navios; caminho; roteiro; 22 - Armador = aquele que arma ou equipa um navio para a navegação (no caso presente: DEUS); 23 - Santelmo = chama azulada que, especialmente durante as tempestades, aparece nos mastros dos navios, por efeito da eletricidade; 24 - tope = extremidade dos mastros, onde se desfraldam as flâmulas; 25 - velar = estar alerta ou vigilante; 26 - orçar = voltar a frente do navio para o lado do vento, servindo-se do leme; 27 - ao largo = em alto-mar


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