domingo, 21 de novembro de 2010

O santo desiludido

O santo desiludido
Inclinara-se a palestra, no lar humilde de Cafarnaum, para os assuntos alusivos à devoção,
quando o Mestre narrou com significativo tom de voz:
— Um venerado devoto retirou-se, em definitivo, para uma gruta isolada, em plena floresta,
a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre orações e pensamentos que julgava irrepreensíveis,
e o povo, crendo tratar-se de um santo messias, passou a reverenciá-lo com intraduzível
respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer negócio do mundo, dava-se pressa em
buscar-lhe o parecer. Fascinado pela alheia consideração, o crente, estagnado na adoração sem
trabalho, supunha dever situar toda gente em seu modo de ser, com a respeitável desculpa de
conquistar o paraíso.
Se um homem ativo e de boa-fé lhe trazia à apreciação algum plano de serviço comercial,
ponderava, escandalizado:
— É um erro. Apague a sede de lucro que lhe ferve nas veias. Isto é ambição criminosa.
Venha orar e esquecer a cobiça.
Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião sobre o casamento, clamava, aflito:
— É disparate. A carne está submetendo o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e consumir
o pecado.
Quando um ou outro companheiro lhe implorava conselho acerca de algum elevado encargo,
na administração pública, exclamava, compungido:
— É um desastre. Afaste-se da paixão pelo poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar
e vencer os maus pensamentos.
Surgindo pessoa de bons propósitos, reclamando-lhe a opinião quanto a alguma festa de
fraternidade em projeto, objetava, irritadiço:
— É uma calamidade. O júbilo do povo é desregramento. Fuja à desordem. Venha orar
subtraindo-se à tentação.
E assim, cada consulente, em vista da imensa autoridade que o santo desfrutava, se entristecia
de maneira irremediável e passava a partilhar-lhe os ócios na soledade, em absoluta
paralisia da alma.
O tempo, todavia, que todo transforma, trouxe ao preguiçoso adorador a morte do corpo
físico.
Todos os seguidores dele o julgaram arrebatado ao Céu e ele mesmo acreditou que, do
sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexcedível assombro, porém, foi conduzido por forças
das trevas a terrível purgatório de assassinos. Em pranto desesperado indagou, à vista de
semelhante e inesperada aflição, dos motivos que lhe haviam sitiado o espírito em tão pavoroso
e infernal torvelinho, sendo esclarecido que, se não fora homicida vulgar na Terra, era ali identificado
como matador da coragem e da esperança em centenas de irmãos em humanidade.
Silenciou Jesus, mas João, muito admirado, considerou:
— Mestre, jamais poderia supor que a devoção excessiva conduzisse alguém a infortúnio
tão grande!
O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
— Plantemos a crença e a confiança entre os homens, entendendo, entretanto, que cada
criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé sem obras é uma lâmpada apagada. Nunca nos
esqueçamos de que o ato de desanimar os outros, nas santas aventuras do bem, é um dos maiores
pecados diante do Poderoso e Compassivo Senhor.

Do Livro :
Jesus no Lar
Francisco Cândido Xavier
pelo Espírito
Neio Lúcio

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