terça-feira, 23 de novembro de 2010

O valor do serviço

O valor do serviço
Filipe, velho pescador de Cafarnaum, enlevado com as explanações de Jesus sobre um
texto de Isaías, passou a comentar a diferença entre os justos e injustos, de maneira a destacar
o valor da santidade na Terra.
O Mestre ouviu calmamente, e, talvez para prevenir os excessos de opinião, narrou, com
bondade:
— Certo fariseu, de vida irrepreensível, atingiu posição de imenso respeito público. Passava
dias inteiros no Templo, entre orações e jejuns incessantes. Conhecia a Lei como ninguém.
Desde Moisés aos últimos Profetas, decorara os mais importantes textos da Revelação.
Se passava nas ruas, era tão grande a estima de que se fizera credor, que as próprias crianças
se curvavam, reverentes. Consagrara-se ao Santo dos Santos e fazia vida perfeita entre os pecadores
da época. Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem mancha e abstinha-se de falar
com toda pessoa considerada impura.
Acontece, todavia, que, havendo grande peste em cidade próxima de Jerusalém, um Anjo
do Senhor desceu, prestimoso, a socorrer necessitados e doentes, em nome da Divina Providência.
Necessitava, porém, das mãos diligentes de um homem, através das quais pudesse trabalhar,
apressado, em benefício de enfermos e sofredores.
Lembrou-se de recorrer ao santo fariseu, conhecido na Corte Celeste por seus reiterados
votos de perfeição espiritual, mas o devoto se achava tão profundamente mergulhado em suas
contemplações de pureza que não lhe sobrava o mínimo espaço interior para entender qualquer
pensamento de socorro às vítimas da epidemia.
Como cooperar com o emissário divino, nesse setor, se evitava o menor contacto com o
mundo vulgar, classificado, em sua mente, como vale da imundície?
O Anjo insistia no chamamento; contudo, a peste era exigente e não admitia delongas.
O mensageiro afastou-se e recorreu a outras pessoas amantes da Lei. Nenhuma, entretanto,
se julgava habilitada a contribuir.
Ninguém desejava arriscar-se.
Instado pelas reclamações do serviço, o Enviado de Cima encontrou antigo criminoso
que mantinha o propósito de regenerar-se. Através dos fios invisíveis do pensamento, convidou-
o a segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente transformado, não hesitou. Obedeceu ao doce
constrangimento e votou-se sem demora, com a espontaneidade da cooperação robusta e legítima,
ao ministério do socorro e da salvação.
Enterrou cadáveres insepultos, improvisou remédios adequados à situação, semeou o
bom ânimo, aliviou os aflitos, renovou a coragem dos enfermos, libertou inúmeras criancinhas
ameaçadas pelo mal, criou serviços de consolação e esperança e, com isso, conquistou sólidas
amizades no Céu, adiantando-se de surpreendente maneira, no caminho do Paraíso.
Os presentes registraram a pequena história, entre a admiração e o desapontamento e,
porque ninguém interferisse, o Senhor comentou, em seguida a longo intervalo:
— A virtude é sempre grande e venerável, mas não há de cristalizar-se à maneira de jóia
rara sem proveito. Se o amor cobre a multidão dos pecados, o serviço santificante que nele se
inspira pode dar aos pecadores convertidos ao bem a companhia dos anjos, antes que os justos
ociosos possam desfrutar o celeste convívio.
E reparando que os ouvintes se retraíram no grande silêncio, o Senhor encerrou o culto
doméstico da Boa Nova, a fim de que o repouso trouxesse aos companheiros multiplicadas
bênçãos de paz e meditação, sob o firmamento pontilhado de luz.
Jesus no lar /Chico Xavier

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